quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Um jogo de você

Ele chegou no fim da festa. Oito pessoas ainda dançavam num salão vazio ao som de um rock qualquer. Definitivamente, não estava sendo um sucesso.

Mesmo com tanto espaço, eles se esbarraram, logo na primeira lata. Ela, linda. Ele, bobo. Era o que bastava. Ainda procurava por um plano quando a banda anunciou a saideira. Só tinha mais uns cinco minutos. Não dava tempo para bolar nada. Fez o melhor que pôde:

- Oi! Quero te beijar.

O plano fora um fracasso. Ao menos naquela noite. Semanas depois, o resultado foi diferente.

Então, o jogo teve início. Inconscientemente, eles acertaram as regras: quando ele a cortejasse, ela recuaria às investidas, até que ele cessasse; aí, o cortejo competiria a ela, até que ele cedesse e reiniciasse as investidas, quando, novamente, ela recuaria. O jogo termina quando nenhum dos dois recuar mais, ou quando ambos recuarem.

Simples assim. Basta ficar atento.

Há dois meses, alguma coisa mudou para ele. Jogava, no ataque, depois de ter passado o mês anterior a evitando, mas não estava mais ali por esporte.

Até que, numa noite como todas as outras, ela lhe deu mais um fora. E, novamente, os papéis se inverteram. E ele fugiu.

Na quarta-feira, ela o procurou - era mesmo a vez dela. Ele lhe disse que havia sido internado numa clínica para pessoas viciadas nela, estava sob tratamento. Não podiam mais se falar. Claro que ela achou engraçado.

Assim, ela o convidou para sair. Entre goles de cerveja e conversa fiada com amigos, as mãos dela procuravam as dele. Encontraram-nas. E ela o trouxe de volta. Na manhã seguinte, e em todas as outras, ela deixava a mensagem do dia no "orkut" dele.

Ao fundo, em rádio nenhum do mundo, as velhas músicas de natal podem ser sentidas em todos os lugares. Nas caixas de som, próximas à churrasqueira, já era carnaval.

Terminada a entrega de presentes do amigo-secreto, ela o acompanhou até a caixa de isopor. Na verdade, grudara nele. Ela ria de tudo o que ele falava, dividia cerveja, fazia aviãozinho com o pedaço de carne que ela tomou o cuidado de assoprar. Pouco dos presentes acompanhara todo o campeonato, e cada lance. A maioria conhecia a convidada dele naquela noite.

- Fala, Pedrão – Disse ele – Essa aqui é a Carla.

Pedro apertou a mão dela, deu um beijinho e disse que era um prazer. Carla sorriu e respondeu com a cabeça.

- É a sua namorada?

- Não. Ainda, não.

O amigo deu uma leve risada e saiu. Ela também riu. Pegaram mais uma lata de cerveja e ficaram por ali mesmo.

- Eduardo, ainda não somos namorados? - E fazia isso enquanto o abraçava e mordiscava seu pescoço.

- Ainda não.

- Ah, é? E depende do quê?

- De eu lhe perguntar e você responder que sim.

- E quando você vai me perguntar?

- Em janeiro.

- Janeiro!? Por quê em janeiro?

- Ué? Quando você prefere?

Um sorriso. Os olhos fixos nele. Daquele ângulo, Eduardo poderia ver uma bela lua cheia no céu, mas não queria.

- Agora.

O rapaz ficou vermelho, não de surpresa. Tomou fôlego.

- Cá, a senhorita aceitaria ser minha namorada?

- Não.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Feriadão

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FIM

domingo, 9 de dezembro de 2007

Dois ponto zero

FADE IN

INT. SALA NO CÉU – DIA
DEUS, nerd, a cara do “Bill Gates”, de óculos,sentado, teclando freneticamente num computador. SÃO PEDRO aproxima-se.

SÃO PEDRO
O que foi? Deu pau de novo?

DEUS
(De olho no monitor)
Ih, Pedrão, além de guerra, fome, agora, deram “tilt” no clima. Chove demais, chove de menos, esquenta demais, esquenta de menos.

SÃO PEDRO
É cheio de “bug”, né?

DEUS
Também, só tive seis dias pra fazer essa versão aí.

SÃO PEDRO
Vai ter que reiniciar. É, tipo, água de novo? Ou vai chamar teu filho lá na assistência técnica?

DEUS
Não. Esquece! Vou mandar soar as trombetas.
(Passando um cedê)
Tive mais tempo e fiz uma versão bem melhor. É um “upgrade”!

São Pedro, com o cedê na mão, olhando os cabelos de Deus.

SÃO PEDRO
Tá ficando careca, hein?

DEUS
Blasfêmia!

FADE OUT
FIM

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A fuga do planeta dos macacos


“A um palmo dos olhos a pata negra do macaco/
Eclipsa a Lua, as estrelas, e até/
O próprio espaço. Cinco dedos feiúdos/
São o mundo inteiro.”

Em “O Macaco e a Essência”, de Aldous Huxley, um roteiro encontrado por dois produtores de Hollywood conta a história de um botânico neozelandês que, no século 21, redescobre o Estados Unidos, devastado por um ataque nuclear e bacteriológico na terceira guerra mundial, há mais de cem anos. Lá, ele se depara com uma sociedade, temente ao Diabo – a quem são atribuídos todos os males –, formada por pessoas deformadas física e moralmente.

Vale lembrar que Huxley é o mesmo autor de “Admirável Mundo Novo”, seu livro mais famoso, e “As portas da Percepção”, o qual inspirou o nome do grupo “The Doors”.

Esta obra, de 1948, expressa a ausência de esperança na humanidade de alguém que viveu a Segunda Guerra e o nazismo, presenciou a bárbara destruição de Hiroshima e Nagasaki, e assistiu ao mundo dividido, preste a se destruir, a qualquer momento, centenas de vezes, por bombas atômicas, durante a Guerra Fria.

Em “O Macaco...”, afirma-se que o Diabo, ou Belial, como é chamado, incutiu na mente do homem duas grandes idéias, e que uma delas seria a algoz da humanidade. Uma é o “Nacionalismo”, “a teoria de que o Estado do qual por acaso você é súdito é o único deus verdadeiro, e de que todos os outros Estados são deuses falsos”; a outra, o “Progresso”, “ a teoria de que você pode receber alguma coisa a troco de nada”.

A terceira guerra ainda não aconteceu. Porém, a tensão tem estado alta ultimamente, principalmente pelas “boas intenções” norte-americanas na “Guerra contra o Terror”. Assistimos ao sempre instável Oriente Médio, às crises com o Irã e a Coréia do Norte e a potenciais conflitos cada vez mais palpáveis com o esgotamento do petróleo e a recessão do Império frente à nova potência vermelha se delineando no horizonte. O mundo vai aos poucos se polarizando novamente na medida em que os interesses vão se evidenciando.

De outro lado, temos o colapso do meio-ambiente.

Huxley afirma que se não nos destruirmos pela guerra, como ocorre no livro, morreremos lentamente, destruindo o planeta.

“Poluindo os rios, exterminando os animais selvagens, destruindo as florestas, varrendo o húmus para o mar, queimando um oceano de petróleo, esbanjando os minerais que foi preciso o tempo geológico inteiro para depositar. Uma orgia de imbecilidade criminosa. E a isso eles chamavam Progresso.”


James Lovelock, renomado cientista, discorda quanto ao "morte lenta". Leia trecho da entrevista concedida à revista “Rolling Stone”, onde o sombrio cientista, afirma que o aquecimento global vai matar seis bilhões de pessoas neste século.

Pertinente, também, relatório do WWF sobre Mudanças Cimáticas.

Para os otimistas, João Guilherme Linke, expõe no posfácio do livro:

“...cabe considerar que é ainda relativamente fácil esperar o melhor quando se é um dos afortunados para quem as catástrofes recentes se reduziram a uma coleção de manchetes, a algumas fotografias embaçadas e meia dúzia de estatísticas inexpressivas, essas mesmas já um tanto remotas na memória”.


Mas a obra não se resume a isso, ela ainda trata de religião, de sociedade, de amor, e traz um fiapo de esperança. Não para a humanidade, que vai, inevitavelmente se destruir, mas Huxley acreditava no indivíduo, o qual, através do amor e da tolerância, pode sobreviver ao fim.

sábado, 1 de dezembro de 2007

O fim do mundo

Você consegue...? ...CONSEGUE ME OUVIR? VAMOS LÁ:

Um estrondo. Os raios abriam espaço na negra escuridão da noite, seguidos, instantaneamente, pelos trovões... Outro estrondo.

O céu desabava naquela pequena cidade do interior. O granizo metralhava telhados, quebrava calhas, riscava carros.

Se o IMGA - Instituto de Medição de Gotas D’Água - estivesse ali, iria colocar aquela chuva no “Guinness”. Desde 1932, no norte da Grécia, não havia registro de gotas tão grandes como daquela noit... Um clarão. Outros. Um bombardeio! Talvez, como uma noite em Bagdá.

Paraibuna é uma cidadezinha com não mais do que 20 mil habitantes. No centro, fica a igreja Matriz e a praça com o coreto, assim como determina a lei das cidades interioranas.

Um diferencial aqui é a represa. Um reservatório gigante, com 760 quilômetros de perímetro e cinco bilhões de metros cúbicos de água. Um paredão separa aquele mar de água-doce da pequena área urbana no vale lá embaixo. Construída em... Mais uma explosão... E outra. São tantas e tão freqüentes que parecem vir do mesmo raio.

A água continua a cair. Nem o Aquaman se atreveria a sair na rua àquela hora. Era capaz de se afogar. Talvez, a tricentenária cidade nunca tivesse testemunhado um tempo daquele.

O rio que corta o município estava bravo. Na torrente, a força das águas carregava terra, troncos de árvores e... um... cachor... Não! Uma família inteira de capivaras! Amanhã, seria dia de luto oficial em algum lugar...

Voltando para a barragem, ela tremia. A fúria da tempestade causava desbarrancamentos, deslocando grandes quantidades de água que se chocavam com a parede. O impacto era assustador. Seus tremores se confundiam com os trovões.

Toda essa agitação causava reflexos a metros de profundidade, na linha da barragem. Ela havia sido erguida, na década de 70, sobre uma frágil faixa arenosa, nem um pouco estáv... Um rugido. Era o céu, clamando por atenção.

A noite seria longa...

Silêncio.

No seu quarto, Rogério revirava-se na cama, tentando pegar no sono. Não havia chuva, granizo ou trovões. Ele usava um par de protetores de ouvido. Incapaz de ouvir qualquer ruído.

Mas era insone. A sorte é que amanhã seria sábado, e ele poderia dormir até tarde. Esperara a semana inteira pelo fim.

Talvez os clarões pudessem alertá-lo da chuva... Que nada! Também usava máscara vendando os olhos. Poderia estar a luz acesa. Além disso, havia colocado no seu quarto uma cortina blecaute. Vedava grande parte da luz que poderia entrar pela janela.

Nem com todo esse “E.P.I.” ele conseguia se desligar.

Mas, ali, no seu quarto, estava isolado do resto do mundo.

Depois de quase quatro horas rolando de um lado para outro, conseguiu apagar. Mas não estava tudo resolvido, não. Facilmente, despertava durante a noite.

Lá pelas seis da manhã, acordou com a bexiga berrando o seu nome. Tentou fingir que não ouvia. Mas nem o protetor auricular era capaz de ajudar.

Levantou-se, um zumbi, e caminhou até a porta. Abriu-a. A claridade irritou seus olhos. Ficou levemente intrigado. Normalmente, do seu lado direito, estaria a porta do banheiro; à sua frente, a porta do quarto do seu irmão; e, à esquerda, o quarto dos seus pais e o corredor que daria para a sala.

Mas, estranhamente, naquele dia, a porta do seu quarto dava vista para o mar. No céu, dois helicópteros voavam baixo. Um era da polícia. O outro era de uma emissora de tevê que não quis pagar o “merchandising” para divulgarmos o nome aqui. Havia, também, botes salva-vidas, bombeiros, um “jet-ski”. A família do vizinho, ilhada no telhado da casa, acenava desesperadamente. Viu uma lancha passar. Talvez, aquilo lá na frente, fossem corpos boiando.

Não havia som algum.

Fechou a porta. Era melhor voltar para a cama.

Deitou-se. Pensou na confusão que estava lá fora. Era prudente trancar a porta. Se ele se deitasse de bruços, pressionando o piru, conseguiria enganar a vontade de mijar, e voltaria a dormir.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Matéria-Prima


A honestidade é um valor absoluto?

Não para Willie Stark (Broderick Crawford) no filme “A grande ilusão” de 1949, dirigido por Robert Rossen. Caipira do interior dos Estados Unidos, Stark almeja um cargo eletivo para poder ajudar a população pobre. Jogando limpo, com discursos técnicos sobre os reais problemas sociais, não consegue mais que uns gatos pingados a lhe apertar a mão. Aos poucos, e conscientemente, vai abrindo mão do jogo honesto, com a justificativa da luta pelo bem social. Porém, o desvio é cada vez maior, e o objetivo se perde, tornando-se uma mera luta pelo poder.

É a trajetória, acompanhada pelo jornalista Jack Burden (John Ireland), de um honesto caipira que se transforma num político corrupto e populista, enquanto vai corrompendo e destruindo a vida de todos à sua volta, inclusive da namorada e amigos de Burden.

Ótimo roteiro, que consegue, em pouco menos de duas horas, apresentar de forma crível e bem desenvolvida a gradual transformação de Willie Stark. Não se pode deixar de elogiar, também, a ótima atuação de Crawford, convincente como caipira e como governador.

Apesar de filmado em 1949, o filme continua incrivelmente atual aqui em terras tupiniquins.

Leva-nos a questionar de onde vem a corrupção política? Por que tanto político corrupto no Brasil? De onde eles vêm? Não são alienígenas...

São pessoas dos mais diversos extratos sociais, desde operários nordestinos a professores da Souborne; mas por que nenhum dá certo? Por que nenhum político presta? De onde eles vieram? Do Brasil, onde é comum baixar ilegalmente músicas na “internet”, comprar devedê no camelô; usar “software” pirata; furar fila na balada; jogar papel no chão; ultrapassar limite de velocidade; sonegar imposto...

Políticos não vão salvar este país, e nem é essa a função deles, eles são nossos representantes. E nós somos exatamente isso o que eles representam.

Como Willie Stark, que começa desrespeitando a lei para ajudar os pobres, todos têm justificativas para infringir as regras. Você tem, os bandidos têm, os políticos têm. Aí, ser ou não válida essa justificativa é outro problema, pois a questão torna-se subjetiva.

Para se viver em sociedade é necessário o respeito mútuo, e uma certa limitação da liberdade individual. Como isso é feito? Através de regras. E temos a lei. Sem as regras, que nós mesmos criamos, direta ou indiretamente, não é possível uma sociedade harmônica; o que acaba por minar essa própria sociedade.

Se existe uma lei que proíbe determinando comportamento, por mais inofensivo que seja a infração, a regra deve ser respeitada. É um critério objetivo: "não posso porque não posso". A partir do momento que um indivíduo descumpre uma regra, por mais nobre que seja a sua justificativa, há um abalo num pilar fundamental da sociedade. Cada uma que infringe uma regra, do cara que compra cedê pirata porque o preço do original é um absurdo ao parlamentar que legisla mediante suborno, todos têm uma justificativa, todos agem conforme seus valores, e isso é subjetivo. Esse é o problema desse país. Uma síndrome de "Robin Hood", seja em benefício próprio ou de terceiros. Temos uma falha no nosso caráter: o desrespeito às regras.

Se a regra é injusta, ela tem que ser mudada, não ignorada. Mas, enquanto regra, ele tem que ser respeitada. Mobilize-se e mude a lei da qual você discorde, que seja a que proíbe a venda de cedê pirata!

Enquanto a sociedade não se conscientizar, ela vai continuar produzindo político corrupto, policial corrupto, juiz corrupto, médico corrupto, pipoqueiro corrupto, catador de latinha corrupto. Nós somos a matéria-prima.

Voltando ao filme, é por isso que eu o recomendo: É uma história sobre político corrupto, é uma história sobre você.

Matéria-Prima: matéria bruta com que se fabrica ou elabora algo (Dicionário Houaiss)

(A Grande Ilusão/All the King’s Men – EUA/1949/Drama/109′ - Um filme de Robert Rossen - com Broderick Crawford, John Ireland, Joanne Dru)

P.S.: Cuidado: refilmaram esta história em 2006 com um excepcional elenco, mas, parece-me, a qualidade não é a mesma.

sábado, 24 de novembro de 2007

Viajando

A mãe de um amigo meu já conheceu metade do planeta, a outra metade ela está tratando de conhecer. Viajar pelo mundo, para ela, é tão simples quanto você abrir um mapa-mundi e, aleatoriamente, colocar o dedo num país qualquer. É tão fácil, que ela compra pão francês na França, assiste a futebol americano nos Estados Unidos, desafia os caras na roleta russa na Rússia. No quintal da casa dela, preso a uma corrente durante o dia, e solto, à noite, vigiando a propriedade, o pastor alemão é um senhorzinho grisalho de cara fechada que ela mandou trazer de uma congregação evangélica do norte de Berlim.

E quem mais!?



O Robson devia ter algo em torno dos dez anos na época em que ainda havia uma agência do Banco do Brasil em Paraibuna. José Vicente, seu pai, trabalhava lá. E, todo os dias, o ainda futuro pantanero, ligava com alguma desculpa para pentelhar o velho. Era capaz do banco contratar um funcionário só para atendê-lo. Em uma dessas vezes, ele protagonizou, de verdade, o diálogo que se segue abaixo.

- Banco do Brasil. Daniel. Boa Tarde. Em que posso ajudá-lo?

- Oi! Quero falar com o meu pai. – Dizia a vozinha do outro lado da linha.

O Daniel, achando graça, e não reconhecendo seu interlocutor, questionou:

- Bem... E quem é que quer falar?

Como não poderia ser mais óbvio dentro da cabeça da criança, ele só respondeu:

- O filho dele, oras!

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Vizinho de baixo

Um roteiro (não sei desenhar mesmo!) de história em quadrinhos para a Turma do Penadinho, da Turma da Mônica. É só clicar na imagem para ampliar, depois, clique em "voltar" e veja a página seguinte.

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fim

sábado, 17 de novembro de 2007

Barrado no baile


Mais um. Alguém aí tem os outros? Estão acabando os que guardei. Daqui a pouco vou ter que começar a inventar.

Na festa de 7 anos dos Pataneros, em abril de 2001, precisávamos contratar um segurança. Como foram as festas seguintes, esta, primeira "grande" que organizávamos, era fechada, ou seja, só para convidados. Não uma atitude anti-social, mas uma preocupação em não exceder o número de pessoas para o qual estaríamos preparados, o que prejudicaria a festa, tanto para quem havia sido convidado quanto para quem chegasse na hora.

Assim, o Douglas, do Depósito Martelo, ficou encarregado de contratar o segurança. Encontrou um amigo seu, antigo funcionário, que aceitou o serviço. E deu a ele orientação de não permitir que ninguém, que não constasse na lista, entrasse.

- Nem que lá dentro esteja pegando fogo, se o nome do bombeiro não estiver na lista, não entra! - Exagerou o Pantanero.

Chegando, no dia, à festa, Douglas e sua namorada, foram abordados pelo segurança. O distinto amigo disse apenas o nome da garota, já que o dele seria desnecessário.

- Bem, Douglas, ela pode entrar, você não.

- Como não?

- O seu nome não está na lista. O dela está.

- Como assim?! Mas fui eu quem te contratou!

- E foi você também que disse para não deixar entrar ninguém que não estivesse na lista.

- Foi. Mas não é para exagerar. Sou eu quem vai te pagar, þø®®@!

- Desculpe, seu nome não está na lista. Pode entrar, moça.

Foi em tempo que Douglas lembrou de perguntar pelo apelido, o qual constava na lista. E, foi assim, que o Pantanero conseguiu entrar na própria festa.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A vida da mosca-da-fruta

Ele ajeitou os óculos. Então, suspirou. Já era sábado! Quem diria? Mas ele estava feliz e tranqüilo. Havia sido uma semana muito movimentada, e proveitosa.

Tudo teve início no domingo. Fora divertido. Sujou-se de terra. Correu. Caiu. Levantou-se. E correu de novo. Morreu de medo da bruxa! Deixou o nariz escorrer, e lambeu. Fez amigos eternos.

Porém, foi na segunda-feira que as coisas realmente começaram a se agitar. Em princípio, aos poucos. Mas à noite, ele já estava na faculdade. Seus velhos ficaram orgulhosos. Esforçaram-se tanto para que ele chegasse até ali.

Nas primeiras horas da terça-feira, pegou o canudo. Arranjou um trampo. Ralou. Também foi quando ele a viu pela primeira vez. De repente, descobriu que não conseguiria chegar ao fim daquela semana sem ela. Agiu rápido. Disse: “Eu te amo”. E, antes que o sol sumisse por inteiro, ele se casou.

A quarta-feira amanheceu com o riso das crianças. Neste dia ele foi demitido, mas não esmoreceu. Aceitou uma modesta oportunidade. Mais motivado. Tudo bem que nunca ficou rico, mas, ao menos, pagava as contas.

Os meninos se formaram na quinta-feira. Agora, era ele quem estava todo bobo. Reuniu os amigos, deu um churrasco, tomou pinga, jogou truco e berrou um sem-número dos mais cabeludos palavrões.

So, friday. Depois de velho ainda resolveu aprender inglês. Macacos o mordam! Foi ontem que ele se sentara com os netos para observar a chuva e contar histórias. Teve, até, bolo da vovó. Então, lembrou-se de que, desde terça-feira, nunca mais lhe havia dito “eu te amo”. E disse de novo. E ela sabia.

Hoje, logo cedo, ela havia partido. A família se reuniu e fez um segundo de silêncio. Depois, ele ficou sozinho. Mas estava feliz e tranqüilo. Talvez, amanhã, seja domingo outra vez.

sábado, 10 de novembro de 2007

Pantanero frito


Mais do mesmo. Também, lá pelos idos de 2001. Publicado na Revistas Nascentes.

Ilha Grande, conhecida e conhecedora dos pantaneros, é um lugar comum em capa de revistas de turismo. Para lá, a turma já foi diversas vezes curtir uma MPB à noite e conhecer a beleza do lugar em trilhas e passeios de barco.

Em setembro passado, o Bruno levou sua mãe, Marilda, para conhecer a ilha. Foram dias de bastante sol que coroaram a viagem.

Num dos dias, bem quente, Bruno havia ido descalço até a praia. O sol tinha deixado os paralelepípedos que calçavam a rua tal qual uma frigideira. E lá se via o pantanero voltando da praia dançando e soltando gritinhos de "ui"! ai"! pelas ruas de Ilha Grande.

Ao avistar uma sombrinha, aumentou o ritmo do seu samba... Seus pés tocaram a parte coberta, muito mais fresca. Aliviado, soltou um :

- Ai, gostoso!

Bem nessa hora, passavam à sua frente, dois policiais da ilha, malhados, de bermuda e camiseta, como permite o clima local, fazendo com que os presentes, ao escutar a exclamação, olhassem espantados para o pantanero com um sorriso de prazer escancarado no rosto.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

The Invasion. Mission: Shoot


Coloco aqui um roteiro de um curta-metragem de cinco minutos. Foi escrito para participar de um concurso de roteiros. Só que viajei no feriado e me esqueci do prazo. Já era. Muito burro. Agora, fica aqui para quem quiser ler.

THE INVASION. MISSION: SHOOT.

Roteiro de Rogério Faria

Fade in

CENA 1 – QUARTO DO LUCAS – INT. – DIA
DESPERTADOR tocando.
LUCAS, jovem, acordando com cara de ressaca.

LUCAS
(Voz off)
Eu sabia que a hora havia chegado.

Gibis espalhados. Na tv: "Guerra nas Estrelas". Videogame.

LUCAS
(Voz off)
Durante anos fui treinado pra isso.

Lucas se olhando no espelho.
Capas de revistas, fotos, discos, jornais, posteres, com fotos de políticos, celebridades e pessoas comuns.

LUCAS
(Voz off)
Eles já estavam infiltrados em todos os lugares, disfarçados.

Pega algo indefinido numa gaveta e coloca na cintura.

LUCAS
(Voz off)
A humanidade precisava de mim.

Sai do quarto.
Um livro de "D. Quixote da Mancha" no chão.

CENA 2 – SALA DA CASA DA PAULA – INT. – DIA
PAULA
(jovem)
Lucas, do quê é que você está falando?

LUCAS
De salvar o planeta Terra, Paula.

CENA 3 – ANIMAÇÃO - JOGO DE VIDEOGAME ATARI
Fundo preto com cenários e personagens bidimensionais. Efeitos sonoros e trilha sonora ao estilo ATARI.
Abertura de jogo com o título "The Invasion – Mission: Shoot”. Juntamente com os créditos do filme.
Tela de seleção do jogador, escolhendo um.

LUCAS
(Voz off)
A batalha começou. Eu era o único guerreiro da força terrestre.

CENA 4 – SALA DA CASA DA PAULA – INT. – DIA
PAULA
Que batalha, ô retardado?

LUCAS
Alienígenas! Eles invadiram aqui!

PAULA
Você está doido!

CENA 5 – ANIMAÇÃO - JOGO DE VIDEOGAME ATARI
O Lucas, representado como jogador, entrando pelo lado esquerdo, andando.
O Lucas pára, uma nave, com uma luz vermelha piscando em cima e emitindo um som de sirene policial estilo “MIDI”, flutua próxima ao chão.

Lucas
(Voz off)
Estava tudo silencioso demais. Daí, vi uma nave deles pousando.

CENA 6 – SALA DA CASA DA PAULA – INT. – DIA
PAULA
Lucas, tu tá chapado?

CENA 7 – ANIMAÇÃO - JOGO DE VIDEOGAME ATARI
Dois alíenígenas saem da nave em vêm na direção de Lucas.

Lucas
(Voz off)
Eles sabiam que eu representava perigo. Era hora do contra-ataque!

CENA 8 – SALA DA CASA DA PAULA – INT. – DIA
PAULA
Tá. Cê tinha que matar os ets.

Lucas
Exatamente.

CENA 9 – ANIMAÇÃO - JOGO DE VIDEOGAME ATARI
Os alienígenas perseguindo o Lucas.
Um alienígena atira, mas o tiro não chega a Lucas.

Lucas
(Voz off)
Gritaram para que eu me rendesse e atiraram. Mas eu também tinha uma pistola laser.

PAULA
(Voz off)
Pistola?!

Outro alienígena atira, acertando Lucas.

Lucas
(Voz off)
Tentei escapar, mas me acertaram.

Um de três “coraçõezinhos” que indicam a quantidade de “vidas” do jogador sumindo.

CENA 10 – SALA DA CASA DA PAULA – INT. – DIA
A perna do Lucas sangrando.

PAULA
Cara, sua perna!

CENA 11 – ANIMAÇÃO - JOGO DE VIDEOGAME ATARI
Mais alienígenas perseguem Lucas.
Uma nave, com uma luz vermelha em cima piscando, aparece para a perseguição. SOM DE SIRENE de polícia.
Troca de tiros entre os alienígenas e Lucas.

Lucas
(Voz off)
Um deles me cercou. Eu matei ele.

PAULA
(Voz off)
Quê?!

Lucas
(Voz off)
Tinha até nave me seguindo, soltando luzes vermelhas e um barulho irritante.

PAULA
(Voz off)
Cê atirou em alguém?

Lucas
(Voz off)
Matei um monte deles.

CENA 12 – SALA DA CASA DA PAULA – INT. – DIA
Lucas
Daí eu entrei aqui!

CAMPAINHA.
BATIDAS fortes na porta.

Lucas
Não abra a porta! São eles.

O Paula corre para ver à porta.

PAULA
É da polícia! Cê matou polícia!?

Lucas
Não abra a porta. Eles estão disfarçados. Você não percebe?

PAULA
Lucas, pára! Cê ta muito louco!

A Paula segurando a chave na fechadura da porta e olhando pra trás, encarando o Lucas.
BATIDA forte na porta.
A mão de Lucas levantando a arma lentamente.
Lucas apontando a arma para Paula, assustada.

Lucas
Você é um deles...

Os olhos de Lucas.
Fade out.
TIRO.

POLICIAL
(Voz off)
É a polícia, filha-da-puta! Solte a arma!

Dois TIROS.

CENA 13 – ANIMAÇÃO - JOGO DE VIDEOGAME ATARI
Escrito: “Game Over”.

Fade out




Fim

domingo, 4 de novembro de 2007

O Dia das Bruxas


Aí segue outro causo pantanero real. Este aí aconteceu no dia 2 de novembro de 2000. Em 2001, também esteve presente em uma das edições da Revista Nascentes.

A madrugada ainda trazia o vento gélido do dia dos mortos na sexta-feira seguinte ao Dia das Bruxas. Bruno e Rogério iam embora da chácara do João Reis após uma pequena reunião de alguns Pantaneros. Incapazes de prever o que estava por acontecer, ficavam na casa, para passar a noite, Joel, Renata, Rafael e Everton.

Silêncio. Distantes, alguns cachorros latiam. O terror iria começar.

Na casa, os quatro estavam quase dormindo quando o silêncio da madrugada é quebrado por pedradas na janela! Rafael, sempre sensato, procura a explicação mais plausível: "Calma... Deve ser algum inseto..." Mais pedradas, agora no teto. "Acho que é um gato". O calafrio percorre a espinha dos quatro presentes. De repente, escutam uma cadeira sendo arrastada, lá fora, no quintal! "De-deve ser algum ca-cachorro, né?". O medo, então, já é como que uma quinta pessoa dentro da casa.

Aí, por alguns instantes acham que tudo voltou a normal.

Recorrer a quem num sítio distante da cidade? Poucas casas se encontram em volta.

Depois de alguns minutos os barulhos estranhos voltam, agora, mais violentos. A impressão que se tem é de várias pessoas tentando arrombar a casa por pontos diferentes. O teto parece que virá a baixo. Rafael tenta acalmar o pessoal: "Cal-calma... De-deve ser uma ... ma-ma-manada de elefantes!" O Joel percebe que não dá mais para disfarçar: "Elefantes, Rafael?! No telhado?! Como eles iriam entrar pelo portão!?".

Já fazia duas horas que os fenômenos haviam começado, não dava mais para ficar quieto dentro da casa. Intrépidos, Rafael e Éverton decidem sair para ver o que estava acontecendo.

Lá fora, tudo escuro, à procura de algo que não querem encontrar, os dois caminham, lado a lado.

De repente, Rafael sente um calafrio percorrer a sua espinha, uma situação na qual ele nunca acreditou que se encontraria: ele se vê, frente a frente, com a entidade que assombrava a casa, não uma, mas duas! Com pouco mais de 1,70 de altura, as figuras, a poucos passos de Rafael começam a dar gargalhadas!

Everton surge atrás de Rafael e também se depara com os fantasmas. Então, ele quebra o silêncio: "Maldito Rogério! Maldito Bruno!".

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Tropa da Elite


(vou falar sobre elementos que podem estragar a surpresa de quem ainda não assistiu)

Fiquei deprimido após assistir ao "Tropa de Elite".

Como filme, a obra é excelente. Os atores estão ótimos. O roteiro desenvolve a história muito bem. E a linguagem documental (planos longos, iluminação natural) da filmagem acrescenta ainda mais realidade. Sem contar a edição. O diretor, José Padilha, (o mesmo do "Ônibus 174") reuniu aqui a mesma equipe que fez "Cidade de Deus": roteirista, preparadores de atores, editores; não quis arriscar.

Mijei cinco minutos antes do filme começar. Apagadas as luzes, a bexiga psicológica ativou. Ficava torcendo para o filme acabar logo e poder ir ao banheiro. Porém, lá pelo meio da sessão, no começo do treinamento, esqueci-me da frescura e fui conquistado pela narrativa.
E o filme é chocante, não há como negar. Todo o mundo que lhe assiste, sai com uma opinião. Ninguém fica indiferente.

Padilha, inicialmente, pensava em fazer um documentário sobre o BOPE - Batalhão de Operações Especiais da polícia do Rio de Janeiro. Mas, devido a dificuldades encontradas, preferiu ficar na ficção. Como a intenção era apresentar o BOPE, a história é contada do ponto de vista dos policiais. Não é o ponto de vista do roteirista, do diretor ou do Wagner Moura.
O resultado, ainda mais na atual estagnação racional da sociedade moderna, foi além de uma obra de entretenimento, foi além de uma obra de discussão social, tornou-se uma experiência sociológica. Como já li em algum lugar: o filme é um espelho mostrando à nossa sociedade (nós mesmos) o quanto ela feia.

Tornar o Capitão Nascimento um novo herói nacional mostra o fundo do poço (moral e intelectual) ao qual estamos chegando. Claro, não se deve se conivente com a bandidagem, com o tráfico e tudo mais. Bandido, mau ou bonzinho, é bandido e tem que pagar, CONFORME A LEI.

Achar que subir o morro e dar tiro na cara dos marginais vai resolver o problema de violência neste país é muita ignorância. Em dados apresentado na edição da semana passada da Carta Capital, no Rio de Janeiro, no primeiro semestre deste ano, foram mortos 694 civis por policiais, por supostamente resistirem à prisão. É o maior número do país. No entanto, é o Estado que registra um dos maiores índices de violência. Não é contraditório? Se estão matando os bandidos, conforme o Capitão Nascimento prega, como é que a criminalidade continua aumentando???

Na primeira metade, acompanhamos a narrativa do ponto de vista do Capitão Nascimento, casado, com síndrome do pânico, esperando o filho, com sentimento de remorso por ter influenciado na morte de um fogueteiro, conhecemos Neto e Matias, dois jovens honestos que querem fazer a coisa certa. O Matias, ainda, ajuda uma ONG, está tentando conquistar uma gatinha, quer se formar em direito. Somos seduzidos pelos personagens. Acabamos por nos identificar com eles.

Então, na segunda metade do filme, seduzidos pelo Capitão Nascimento, nós nos INSCREVEMOS no treinamento do BOPE, assim como o Matias e Neto. A partir daí, os valores morais e o senso crítico vão para o ralo.

Apesar do filme ser o ponto de vista do BOPE, os autores acabam por colocar lá um pouco da própria opinião. Vejamos:

Primeiro: o Capitão Nascimento começa como um futuro pai de família, a esposa o ama, ele quer sair do BOPE em razão do perigo, para cuidar do filho. Ele termina abandonado pela esposa, com síndrome do pânico. E, só para mostrar o quanto o personagem é incoerente e falível: na primeira metade ele fica com remorso por ter causado a morte de um fogueteiro ao fazê-lo entregar um traficante. Quase para o final do filme, ele faz a mesma coisa com outro garoto (o qual entrega o Baiano), que, até então, não tinha nada a ver com a história.

Segundo: Matias começa como um jovem honesto, idealista, tímido (é só ver a discussão na sala de aula), com uma bela paquera. Termina estúpido, sem namorada, sem amigos.
Terceiro: Neto surge como um jovem honesto, idealista. Acaba morto.

Os três personagens principais do filme se ferram. Os autores não são coniventes com as atitudes dos personagens.

O que vai reduzir a criminalidade neste país, não é só policial no morro. Nem só a prisão dos bandidos, tanto os pobres quanto os colarinhos branco. Nem só a diminuição da desigualdade social. O que vai acabar, não só com a criminalidade neste país, mas com as mazelas em geral é uma sociedade menos alienada. E isso não se dá simplesmente "colocando no saco..."

sábado, 27 de outubro de 2007

Arquivo X


Pantanerada, vou aproveitar esse espaço para resgatar os causos da turma e, quem sabe, se não der preguiça, e eu não achar nada melhor pra fazer, colocar novos. Relembrando que são todos casos reais, ao melhor estilo "Supercine".

Este que segue abaixo foi publicado na edição 6 do "Caderno Mensal Nascentes" de março de 2001.

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Paraibuna, 22h47min.

Rogério ia embora para sua casa. Tinha acabado de se despedir do Claudinho, com quem estava na rua.

Ao olhar para o céu, ficou espantado. Estava nublado, nenhuma estrela, mas não era clima de chuva... e, nas nuvens, duas luzes dançavam, como se houvesse algo grandioso sobre elas, algo não deste planeta...


ARQUIVO X

Foi há sete anos, num sábado. Quem ia ao baile daquela noite, via Rogério e Claudinho correndo pela avenida. Rogério não poderia deixar de chamá-lo, estava entorpecido pela visão.

Quando Claudinho pode ver as luzes, ficou bobo, mais ainda. Pelo tamanho das luzes calculavam que as naves eram gigantescas. E a velocidade com que se moviam, levava a concluir que eram de uma tecnologia realmente muito avançada. Enfim descobriam que não estavam sós no universo. Mas - se perguntavam - tinham vindo em paz, ou não?

Aquela noite não conseguiram dormir, estavam cheios de questões. Como seria o dia seguinte? Seriam mesmo extraterrestres? Se não, o que seriam aquelas luzes? Que tecnologia humana seria capaz de produzi-las? Um canhão laser? É... Era um canhão laser! Uma nova casa noturna inaugurava em Taubaté e usava da, então, novidade, projetando raios de luz nas nuvens, como noticiava o jornal no dia seguinte.

Frustrante para os caçadores de holofotes.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Triste figura


"O Engenhoso Fidalgo D. Quixote de La Mancha" conta a cômica história de um fidalgo que, de tanto ler romances de cavalaria, fica louco, e resolve sair pelo mundo como cavaleiro andante, com seu fiel escudeiro, em busca de aventuras. O primeiro volume, escrito por Miguel de Cervantes há pouco mais de 400 anos, é considerado a obra inaugural do romance ocidental moderno. É tido por muitos críticos como o maior romance já escrito.

Na quarta capa da edição da Editora 34, Dostoiévski afirma que D. Quixote é a mais grandiosa e acabada expressão da mente humana. Depois de quase 700 páginas de uma leitura nada mais que aprazível, entendi o que ele queria dizer. Apesar de achar que não compartilhamos (Dostoiévksi e eu) da mesma visão da humanidade.

Quase para o final do livro, D. Quixote, louco, é preso por amigos em uma frágil jaula, para que possa ser levado de volta à sua casa. No intento de impedir-lhe a fuga, esses amigos inventam que a jaula é encantada, assim, o cavaleiro não poderia escapar. Seu fiel escudeiro resolve, então, alertá-lo de que não há feitiço algum, e que D. Quixote poderia escapar quando quisesse. Daí, surge o discurso mais importante deste primeiro volume das aventuras do Cavaleiro da Triste Figura: "Eu sei e tenho para mim que estou encantado, e isto basta para a segurança da minha consciência, e muito a carregaria se eu pensasse que não estou encantado e me deixasse estar nesta jaula preguiçoso e covarde, negando o socorro que poderia dar a muitos desvalidos e necessitados que, ora agora, devem ter precisa e extrema necessidade da minha ajuda e amparo.” (pp. 681 e 682)

Aqui se desfez aquele virtuosismo com o qual o personagem foi para mim apresentando e representado durante todos esses anos. Vi em D. Quixote o egoísmo humano. Realmente, o que considero a condição humana.

No início do livro, o fidalgo não sentia fome, não sentia tristeza, não tinha obrigações, nem de padre, nem de barbeiro, nem de nada, tinha um vazio. Por não acreditar na vida que se dá, inventou uma vida.

Tendo uma boa condição, o que ele fez durante toda a sua vida, até então, para ajudar a humanidade? Nada. Gastou dinheiro e tempo lendo romances de cavalaria.

As pessoas morriam de fome. Os desvalidos eram injustiçados. As donzelas eram violadas.

De repente, fica louco e resolve ajudar a humanidade. Como? Da maneira mais inútil possível.

As pessoas continuam morrendo de fome. Os desvalidos continuam injustiçados. As donzelas continuam a ser violadas. D. Quixote só traz o humor a temperar.

Ele sai pelo mundo fazendo aquilo que quer que seja o certo. Nessa visão egoísta, muita coisa errada é feita, muita gente é prejudicada.

Assim caminha a humanidade. Cada quixote ocupa-se com os seus próprios moinhos de vento, seus próprio valentes biscainhos, seus próprios magos Frestão. Desta forma, tem a sua consciência confortada enquanto vê uma criança morrendo de fome, um idoso na fila do hospital, troca de tiro na favela.

O quixote foge do seu papel social, foge das suas responsabilidades. Fecha-se no seu mundo. E não adianta discutir, ele não quer ouvir. É um covarde. Não há raciocínio. Mesmo que veja, mesmo que tudo esteja claro à sua frente, ele inventa uma interpretação atabalhoada, na qual ele vai acreditar, pouco importando o que os outros pensam. E quem pensar diferente, pouco importa o argumento, é louco, é mentiroso, é inimigo. A realidade é moldada àquilo que o quixote quer que seja.

Essa é a grandiosa e acabada expressão da mente humana representada no livro, no personagem. Não um valente e ingênuo homem contra o invencível mal no coração dos homens, mas o próprio mal do coração dos homens.

Agora, tenho que ler de novo as anteriores quase 700 páginas, com esses novos olhos.

E aguardar o segundo livro na tradução da mesma editora, que ainda não saiu.

- Cervantes Saavedra, Miguel de, O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha, Primeiro Livro; tradução de Sérgio Molina; gravuras de Gustave Doré. - São Paulo: Ed. 34, 2002. 736p.
- Dom Quixote e Sancho Pança, de Pablo Picasso, 1955.

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